domingo, 28 de fevereiro de 2010

GloboColonização

 Por Frei Betto


A moda agora é globalização. Ótimo que o planeta tenha se transformado numa aldeia. O que me preocupa é que, certa ocasião, entrei numa loja de discos no interior da China e me deparei com posteres do Michael Jackson, mas nunca encontrei, no interior dos Estados Unidos, um poster de cantor chinês! Esta globalização é a imposição de um modelo culturalizado, com um único paradigma de comportamento. É a globocolonização!

Já estive no Oriente e mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Numa segunda feira de manhã, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera estava cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café-da-manhã em casa, mas como no aeroporto a companhia aérea oferece outro café, todos comiam vorazmente. Isso me faz pensar: "Qual dos dois modelos?"

Então lembrei de Danielle, minha vizinha de dez anos. Um dia encontrei-a no elevador, às dez da manhã, e perguntei: "Não foi a aula?" Ela respondeu "Não, Betto, tenho aula à tarde." Eu comemorei: "Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde" "Não", retrucou ela, "tenho tanta coisa de manhã.." "Que tanta coisa?", perguntei. Ela disse: "Tenho aula de inglês, de balé, de pintura, piscina", e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: "Que pena, a Danielle não disse: 'tenho aula de meditação!', mas disse: "eu só tenho duas horas para brincar'!".

Estamos construindo super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados. Por isso dizem agora que mais que que o QI é o IE, a Inteligência Emocional. Não adianta ser um superexecutivo se não consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aula de meditação!

Disseram-me que em Ribeirão Preto tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica: hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação a malhação de espírito. Acho otimo, vamos todos morrer esbeltos: "Como é que tava o defunto?" "Olha, uma maravilha, não tinha uma gordurinha!" Mas como é que fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

Outrora falávamos em realidade: Lembram-se? Analise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é "virtualidade". Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela Internet: não pega Aids, não tem envolvimento emocional, controla-se no botão, no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga intima em Tóquio, uma amiga virtual, ou um amigo virtual, sem nenhuma preocupação de conhecer seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, estamos entrando na virtualidade de todos os valores, não há compromisso real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, somos religiosos virtuais, somos cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos éticamente virtuais...

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